ÉTICA HACKER
O antagonismo se faz presente na cultura hacker e na época protestante, pois enquanto, principalmente a partir da época protestante, o trabalho passa a ser algo valoroso, aparecendo como dever, como vocação, devendo ser árduo, não necessariamente prazeroso, não pensado como regozijo, compaixão, refletindo-se no espírito do capitalismo. Na cultura hacker o que acontece é o oposto, é mantida uma relação de paixão, há prazer em compartilhar as informações e desta forma aprofundar cada vez mais o grau de conhecimento.
Hackers se ajudam mutuamente de forma voluntária a resolver problemas e construir coisas, acreditando na liberdade, sendo necessário possuir inteligência, prática, dedicação e trabalho duro.
Suas atitudes partem de princípios que acreditam e seguem, mas para isto há algumas regras básicas, descritas por Eric S. Raymond e traduzida por Hacker Howto, tais como:
“1- O mundo está repleto de problemas fascinantes esperando para serem resolvidos.
2- Não se deve resolver o mesmo problema duas vezes.
3- Tédio e trabalho repetitivo são nocivos.
4- Liberdade é uma coisa boa.
5- Atitude não substitui competência.”
Suas habilidades básicas devem ser:
“1- Aprender a programar.
2- Pegar um dos Unixes livres e aprender a mexer.
3- Aprender a usar a Word Wide Web e escrever em HTML..”
Seu status se baseia na cultura da reputação, na qual os antropologistas chamam de “cultura de doação”. Doa-se seu tempo, criatividade, e os resultados de sua habilidade.
Para ser respeitado por hackers, há cinco tipos de coisas que devem ser feitas:
“1- Escrever open-source software.
2- Ajudar a testar e depurar open-source software.
3- Publicar informação útil.
4- Ajudar a manter a infra-estrutura funcionando.
5- Servir a cultura hacker em si.”
Há algo que sempre deve ser lembrado e considerado, jamais confundir um “hacker” com um “cracker”, pois enquanto o primeiro “constrói coisas, o segundo as destrói.”
Referência
http://www.ccil.org/~esr/faqs/hacker-howto.html.
RESENHA sobre o livro “O que é virtual” de Pierre Lévy
LÉVY, Pierre. O que é virtual?. Trad. Paulo Neves. – São Paulo: Editora 34, 1996. 160 p.
Nessa obra, Lévy define e aprofunda o significado de virtual, construindo, de forma epistemológica, uma argumentação abrangente, dividida em categorias, para comprovar a sua tese. Em síntese, para ele, o virtual é o real potencial, ainda não comprovado, que por si gera indagações, hipóteses, as quais, uma vez comprovadas, representam o que ele chama de atualização. O virtual e atualização representam um ciclo permanente na evolução humana.
A obra possui 160 páginas e dez capítulos, onde o autor aborda: O que é virtual, que trata da abordagem introdutória, conceitos básicos e contextualização preliminar; A virtualização do corpo, do texto e da economia; As três virtualizações que fizeram o humano; As operações da Virtualização ou o Trivium antropológico; A virtualização da inteligência, constituição do sujeito e a constituição do objecto; e o Quadrivium ontológico.
Na construção de sua tese, do que é ser virtual, Lévy trata essencialmente da interação e integração entre o uso cada vez mais crescente das tecnologias correntes, utilizadas na busca contínua da evolução do conhecimento. Esse processo ocorre através do que o autor denomina de virtualização e atualização, os quais representam os elementos de um ciclo permanente na evolução do conhecimento sob os aspectos filosófico, antropológico e sociopolítico. Essas três abordagens são tratadas pelo autor, conforme segue: a filosófica busca conceituar o que é virtual e o seu ciclo e movimento; a antropológica trata do que o autor chama de processo de hominização decorrentes da virtualização; e a sociopolítica que compreende o permanente processo de mudança que coloca os indivíduos como personagens centrais de uma realidade dinâmica e em crescente aceleração.
O virtual, para Lévy, não se opõe ao real e sim ao atual, mas apesar de real e potencial, traz, em seu bojo, a dúvida que resulta em indagações e a busca, através de hipóteses, das respostas, as quais, uma vez comprovadas resultam no que ele denomina de atualização. Essa, na seqüência, irá gerar novo campo virtual que ensejará novamente um novo contexto (virtualização), gerando indagações, hipóteses e atualização, num ciclo ad infinitum.
Lévy denomina de virtualização do corpo todos os aspectos que envolvem técnicas de comunicação e telepresença (estamos aqui e lá ao mesmo tempo), os equipamentos de visualização médicos que tornam transparentes o interior orgânico, os enxertos e próteses que mesclam os humanos aos outros e aos artefatos, entre outros. Lévy cita ainda a remodelagem do corpo através da dietética, cirurgia plástica, body building (construção e manutenção do corpo), a alteração do metabolismo pelas drogas, regulando as emoções ou controlando a reprodução. A virtualização do corpo, diz Lévy, é um processo que ainda está começando a dar os seus primeiros passos uma vez que se espera que no futuro existam velocidades cada vez maiores, onde quase tudo passou a ser passível de modificação e alteração.
Lévy, ao analisar o que ele denomina de virtualização do texto, identifica o arquivo digital como um vetor do processo irreversível de virtualização, sendo provável que se atribua um endereço a um arquivo digital. Nesse caso o endereço seria provisório ou de baixíssima relevância nesta era de Internet e da comunicação onde quase tudo parece, simultaneamente, tão perto e tão longe. A significância de autor e de leitor é mesclada. O virtual é plenamente “desterritorializado”, com ausência de um espaço fixo de ocupação. Segundo Lévy, “tornamo-nos verdadeiros migrantes de um “nó” ao outro no espaço cibernético da rede, onde há a multiplicação sucessiva de espaços e sites; não somos mais migrantes de espaços geográficos e sim de espaços virtuais”.
Enquanto a virtualização do corpo esteja ainda decorrendo, segundo Lévy, a virtualização do texto já ocorreu. Para ele o texto sempre foi um objeto virtual que não está nem nunca esteve dependente de um suporte físico específico. Todavia, muito embora o texto seja um objeto virtual, ao lê-lo automaticamente o assunto é atualizado, construindo, conforme observa Lévy, “uma paisagem semântica móvel e acidentada”. A escrita, como tecnologia intelectual, virtualiza a nossa memória, não se podendo afirmar que a escrita é apenas um registro da palavra. Contudo a virtualização da memória não deverá ser confundido com o informático. O hipertexto - “matriz de textos potenciais” - apresenta-se na World Wide Web (www) como uma continuidade do texto, e existe um enriquecimento na leitura pois o hipertexto, além de ser uma seqüência contínua de textos, é também uma nova forma de apresentar o texto. “O hipertexto numérico definir-se-ia, então, como uma coleção de informações multimodais dispostas numa rede, navegável de forma rápida e intuitiva.” Existe uma desterritorialização do texto no ciberespaço, as noções de “unidade, identidade e localização” deixam de ter sentido. O ciberespaço, através do texto, acaba por ser um reflexo da sociedade.
A virtualização, segundo Lévy, adentra no campo econômico, na medida em que, com a desterritorialização geográfica, o mercado “on-line” já não conhece fronteiras e distâncias geográficas ou limitações temporais. Os ofertantes (produtores) e os demandantes (famílias) estão situados em espaços, não necessariamente geográficos, cada vez mais próximos.
No que tange a hominização, Lévy destaca três processos de virtualização que promovem a evolução humana: o desenvolvimento das linguagens; a multiplicação das técnicas (e tecnologias); e o que o autor denomina de complexificação das instituições (virtualização da violência pelo contrato social). Durante boa parte de sua obra, Lévy tenta mostrar que o processo de virtualização é um movimento onde a nossa espécie se construiu e continua a se reconstruir. Para este autor, “virtualizar” é hominizar.
Na conclusão da sua tese, Lévy faz uma um chamamento à uma nova sensibilidade estética, uma espécie de arte na contextualização da virtualização, na qual a partir do entendimento entre “desmaterialização” e “desterritorialização”, o acolhimento e o entendimento ao que importa ou pertence ao outro (alteridade) são virtudes magistrais para a evolução da vida.
De acordo com a filósofa das artes, Suzane Langer, nos anos de 1950, ao contemplarmos um quadro de paisagens, criaríamos em nossas mentes um mundo virtual, tema usado como metáfora. Ou seja, ela parte do princípio de que o cérebro forma “um mundo virtual”.
O que Lévy argumenta é que a “virtualização” se faz presente em todos os aspectos da vida humana e sua interação se opera em espaços cibernéticos, mediados na informática por redes de computadores, onde se propaga através do hipertexto (World Wide Web), o ciberespaço, interatividade, inteligência coletiva, entre outros, onde os sujeitos interconectados devem formar redes de comunicação digital.
Huitéma, citado por Lévy (1996), menciona: [...] faz uma ligação por ser, ao mesmo tempo, o objeto comum de seus produtores e de seus exploradores
O virtual não é considerado algo tangível, que pode ser tocado como um objeto, que apalpamos e sentimos no contato com as mãos, mas é real, existe e se propaga nos ciberespaços das redes, sendo elas uma fonte inesgotável de atualizações desterritorializadas, compreendendo o social, político, educacional, entre outros.
O livro é indicado aos sujeitos que desejam adquirir conhecimentos abrangendo a área de tecnologia digital, assim como, para docentes e discentes que se dedicam a esta área, para aprimorar os seus conhecimentos
Pierre Lévy nasceu numa família judaica. Fez mestrado em História da Ciência e doutorado em Sociologia e Ciência da Informação e da Comunicação, na Universidade de Sorbonne, França. Trabalha desde 2002 como titular da cadeira de pesquisa em inteligência coletiva na Universidade de Ottawa, Canadá. É membro da Sociedade Real do Canadá (Academia Canadense de Ciências e Humanidades).
É conhecido como um dos principais filósofos da cibercultura, também reconhecido como um dos mais importantes estudiosos dos efeitos das tecnologias de comunicação do mundo contemporâneo. Lévy escreveu diversas obras, algumas com linguagem extremamente rebuscada, outras mais palatáveis para o público em geral. Além de “O que é virtual?”, escreveu também outros livros, muitos traduzidos para o português, entre os quais: Ciberdemocracia (Lisboa: Editora Instituto Piaget, 2003); A conexão planetária: o mercado, o ciberespaço, a consciência (São Paulo: Editora 34, 2001); A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço (São Paulo: Editora Loyola, 2000); Cibercultura (São Paulo: Editora 34, 1999); A máquina universo: criação, cognição e cultura informática (São Paulo: Editora Artmed, 1998).
Lucília de Morais Amaral, graduada em Pedagogia e Normal Superior, pela Universidade Jorge Amado (UNIJORGE), especialização em Direito Educacional , pela Faculdade de Tecnologia e Ciências (FTC), acadêmica da Especialização Tecnologia e Novas Educações, pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).